quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Chuvas e primaveras

Já faz uns três dias que começo a sentir primavera por aqui.
As letras mudaram e junto com elas o sabor da estação também mudou. O chá já não tem mais o gosto de laranja, e sim o sabor de rosas silvestres. Culpa das margaridas que enfeitam os canteiros e o criado do meu quarto. Começo a mudar o ritmo dos passos e caminho pelos campos chuvosos e floridos do meu jardim. Sento, leio, escrevo e tento rimar os versos que se perderam na estação.

“Bem sei que é uma vaidade dizer em plena primavera que eu sei o que é primavera. Às vezes porém sou tão humilde que os outros me chamam a atenção. É uma humildade feita de gratidão talvez excessiva, é feita de um eu de criança, de susto também de criança. Mas, desta vez, quando percebi que estava humilde demais com a alegria que me era dada pela vinda da primavera chuvosa, dessa vez apossei-me do que é meu e dos outros.”
(Clarice Lispector)


Caminhei pelo tempo lendo suas palavras trazidas pelo vento, deixei alguns versos corridos para trás e aproveitei as letras e os momentos felizes junto às flores e estações.
Lendo a sua missiva, olhei a lua e tentei esquecer o tempo lá fora; lembrei apenas que é primavera. Mas mesmo esquecendo o tempo, os ponteiros insistem em gritar abafando o som do vento. Ignoro essas campanhias e sinto apenas a primavera pintar flores e os sorrisos que vem no decorrer do dia.
A xícara de chá quente, o livro aberto sobre a mesa, gotas de chuva, raios de sol entre nuvens e ventos, flores pela casa, cartas para serem respondidas e o tempo girando lá fora em seu curso primaveril: isso sim é primavera em mim. Coisas do tempo que corre esperando os meus passos pelos campos.

“Sei o que é primavera porque sinto um perfume de pólen no ar, que talvez seja o meu próprio pólen, sinto estremecimentos à toa quando um passarinho canta, e sinto que sem saber eu estou reformulando a vida. Porque estou viva. A primavera torturante, límpida e mortal que o diga, ela que me encontra cada ano tão pronta para recebê-la. Bem sei que é uma perturbação de sentidos.”
(Clarice Lispector)

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